Osteopatia hipertrófica secundária a osteossarcoma condroblástico extraesquelético em um cão

Osteopatia hipertrófica secundária a osteossarcoma condroblástico extraesquelético em um cão

15/07/2020

Natalia Martins Hoffmann, Mayron Tobias da Luz, Luisa LemosVieira, Matheus Folgearini Silveira, Pâmela da Silva Corrêa & Débora Maria Marques Callado de Oliveira

Introdução

Osteossarcomas extraesqueléticos são tumores mesenquimais malignos produtores de matriz osteoide, sem envolvimento periosteal ou ósseo primário [5,8]. A ocorrência de osteossarcoma extraesquelético é rara, representando aproximadamente 1% dos casos de os- teossarcomas em animais domésticos [14]. Em cães, é relatado em diferentes órgãos e tecidos, incluindo fígado, baço, rim, mesentério, omento e glândula mamária [5].

A osteopatia hipertrófica (OH), também conhe- cida como doença de Marie, osteopatia hipertrófica pul- monar ou osteoartropatia hipertrófica, é uma síndrome secundária à presença de uma massa em tórax ou ab- dômen, ou à doença cardiovascular, caracterizada por neoformação óssea crônica, que produz significativo espessamento e deformidade nos membros [2,3,17]. Causas não neoplásicas, incluem doenças pulmo- nares, corpos estranhos intratorácicos, dirofilariose ,espirocercose e tuberculose [1]. A OH é uma doença de ocorrência incomum, de maior incidência em cães e em humanos, sendo também descrita em outras es- pécies [2]. Sua patogenia, ainda não completamente esclarecida, é relacionada à diferente mecanismos, que possuem como fator comum o aumento do fluxo sanguíneo distal nos membros [3].

Alguns autores ainda definem a OH como doença que acomete as diáfises de ossos longos distais dos membros. Entretanto, o acometimento de outras regiões anatômicas é descrito neste relato. Objetivou- se descrever um caso de osteopatia hipertrófica com envolvimento de articulações e ossos proximais do es- queleto apendicular, secundário a osteossarcoma con- droblástico mediastínico em cão, correlacionando os achados clínicos, radiográficos e anatomopatológicos.

Caso

Um canino fêmea, esterilizado, sem raça definida, de 10 anos de idade e pesando 9 kg, foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade do Sul de Santa Catarina (HV-UNISUL) com histórico de dificuldade de deambulação, dor e aumento de volume em membros pélvicos, e perda de peso há quatro meses. O exame radiográfico revelou aumento de radiopacidade de tecidos moles lateral à articulação do joelho direito. Reações periosteais bilaterais e assi- métricas do tipo lamelar ou paliçada foram observadas em regiões diafisárias e também epifisárias de úmero, rádio, ulna, fêmur, tíbia, fíbula, patela, ossos do carpo e tarso, metacarpos, metatarsos e falanges (Figura 1A). Neoformação periosteal similar foi verificada ao longo de todo o ílio direito. Radiografias torácicas e ultrassonografia utilizando as janelas acústicas do 6o ao 8o espaço intercostal esquerdo, sugeriram presença de neoplasia ou abscesso localizado no lobo pulmonar caudal esquerdo de aproximadamente 5 cm. Com os achados da clínica, associado aos resultados radiográfi- cos, sugeriu-se o diagnóstico de osteopatia hipertrófica.

Foram prescritos analgésicos cloridrato de trama- dol (Cronidor®)1 [5 mg/kg, a cada 8 h], dipirona (Dipirona Gotas Biovet®)2 [25 mg/kg, a cada 8 h] e antiinflamatório esteroidal prednisona (Meticorten®)3 [1 mg/kg, a cada 24 h], por 5 dias, e indicada a lobectomia pulmonar caudal esquerda. Dois dias após a consulta, o paciente foi aten- dido em uma clínica veterinária em sua cidade de origem apresentando grave dispneia, sialorréia e permanência em decúbito lateral. Optou-se então pela eutanásia.

À necropsia, neoformações ósseas periosteais caracterizadas por espessamento da superfície óssea e formação de trabéculas irregulares, perpendiculares ao córtex, foram visibilizadas em toda a extensão dos ossos dos membros. As alterações foram mais evidentes após a maceração dos ossos [3], e remoção do espesso periósteo, que revelou aspecto de couve- flor em diversas superfícies ósseas (Figura 1 B-D). O comprometimento articular ficou evidente pela hiperostose patelar e em regiões de epífise próximas a superfícies articulares, bem como pelo aumento de volume em joelho direito, com grande espessamento da cápsula articular. No mediastino caudal, junto à inserção do diafragma, constatou-se uma massa de coloração branca e consistência firme, com 3,3 cm de diâmetro e superfície irregular (Figura 2A). O lobo caudal esquerdo pulmonar apresentava uma massa oval de mesma coloração e consistência, com superfície lisa, medindo 5,2 x 2,9 cm (Figura 2B).

As culturas microbiológicas das duas massas intratorácicas não resultaram em crescimento de ne- nhum microrganismo. O exame histopatológicoindicou áreas de diferenciação condroide, focos osteoides e morfologia celular sugestivos de osteossarcoma condroblástico em região mediastínica, com invasão e envolvimento de diafragma e parênquima pulmonar (Figura 2C). O fragmento ósseo analisado apresentou amplos focos de compactação tecidual, hemorragia peritrabecular e mineralização de tecido osteoide, permeado por plasmócitos e linfócitos típicos.

Discussão

Duas doenças incomuns ocorreram neste caso: osteossarcoma condroblástico extraesquelético medi- astínico e OH com invasão articular e avanço proximal do esqueleto apendicular. Embora a OH seja por vezes descrita como uma doença que acomete a diáfise dos ossos longos distais dos membros [2,9,16], este relato descreve também o acometimento de epífises ósseas e ossos proximais dos membros, incluindo o ílio. Assim, a OH pode progredir proximalmente pelos membros até a pelve [1,3] e ocasionalmente ocorrer em vértebras e no crânio [3]. Além disso, a OH pode acometer as articulações na medida em que as anormalidades ós- seas avançam para as epífises, de modo que o termo osteartropatia hipertrófica não deve ser uma definição tida como errônea na medicina veterinária e exclusiva da medicina humana, como sugerido por alguns autores [4,16]. A patogenia da OH carece de mais estudos para seu total entendimento. As teorias aceitas até o mo- mento envolvem mecanismos neurogênicos, humorais e relacionados a fatores de crescimento [3]. O amplo espectro de doenças de base e a raridade da síndrome são importantes desafios à pesquisa.

Massas mediastínicas, como encontradas neste caso, são reportadas como importante causa de OH [12]. No entanto, casos de osteossarcomas medi- astínicos são extremamente raros. Até onde os autores têm conhecimento, este é o primeiro relato de caso de OH secundária a osteossarcoma condroblástico extraesquelético mediastínico. A ocorrência de osteos- sarcoma mediastínico em cães, é descrita em pericárdio [13], coração [11,15], linfonodo [6] e relacionada com a transformação neoplásica de nódulo esofágico de Spirocerca lupi [10].

A maioria dos osteossarcomas extraesqueléti- cos em cães ocorre em órgãos viscerais, localização diferente da observada neste caso, em que o acometi- mento foi diafragmático. Osteossarcomas de tecidos moles são mais comumente observado em huma- nos[18]. A aparência histológica dos osteossarco mas pode variar muito [14,18]. O diagnóstico definitivo é dado com base na detecção da produção de matriz osteoide ou óssea pelas células neoplásicas e, no caso de osteossarcomas condroblásticos, pela produção adicional de matriz condroide [14], como observado no exame histológico do paciente relatado. Embora uma minoria de cães com lesões intratorácicas desenvolva OH, cães com metástases pulmonares por osteossar- coma são mais suscetíveis a desenvolver a síndrome do que aqueles com carcinomas metastáticos [3].

O tratamento para OH é possível, devendo eliminar a doença de base [3,12]. A vagotomia ipsi- lateral à lesão, ou no lado mais acometido, bem como ressecções cirúrgicas de lesões pulmonares podem rapidamente aliviar a dor, o inchaço de tecidos moles e induzir a regressão das anormalidades ósseas ao longo do tempo [1,9]. No entanto, a terapia para osteossarco- mas extraesqueléticos, baseada na remoção cirúrgica possui prognóstico ruim (90 dias), e sua associação com tratamento quimioterápico necessita de mais estudos [5].

Os sinais clínicos consequentes a OH troux- eram o paciente ao serviço veterinário, entretanto, a deterioração clínica pelo avançado osteossarcoma inviabilizou a tentativa terapêutica. O diagnóstico pre- coce da OH pode antecipar a detecção e favorecer a in- tervenção nas diferentes doenças de base relacionadas à síndrome, como neoplasias e abscessos. Em vista disso, conclui-se que para o diagnóstico de OH, deve-se aten- tar não somente ao exame da porção distal dos mem- bros, visto que o acometimento articular, apendicular proximal e axial também é possível. Conclui-se ainda que, embora raros, osteossarcomas extraesqueléticos devem ser considerados no diagnóstico diferencial de massas intratorácicas em cães com OH.

MANUFACTURERS
1Agener União Saúde Animal. São Paulo, SP, Brazil.
2 Laboratório Bio-Vet S/A. Vargem Grande Paulista, SP, Brazil. 3 MSD Saúde Animal. Cruzeiro, SP, Brazil.
Declaration of interest. The authors report no conflicts of interest. The authors alone are responsible for the content and writing of the paper.

Referências

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